quarta-feira, 22 de julho de 2015

Top 10 Vadias

Meninas abandonam estudos e tentam suicídio após entrar para lista das "mais vadias" 
(Notícia aqui)

'Ranking' expõe intimidade sexual de alunas da USP e causa revolta (Notícia aqui)


Defina “vadia”. Diversos adjetivos pejorativos ligados à sexualidade da mulher lhe sobrevieram à mente. Defina “vadio”. Homem desocupado.


Quando deparei com essas notícias há alguns meses atrás, logo pensei “quem é o vadio/vadia na verdade?”.  São essas garotas covardemente listadas nas mais tenebrosas “premiações do ridículo”, ou são os desocupados garotos que promovem tais definições fúteis e discriminatórias? Onde realmente se encaixa o conceito?
Creio não ser uma pergunta difícil.


Segundo a reportagem, os rankings já existem por mais de um ano, e os “critérios” são dos mais variados. “Fulana usa aquela calça colada e anda rebolando, merece a posição 7”, “Tati ficou com seis moleques, putz, essa é um claro caso de 5º lugar”, “Bruna enviou foto nua para o namorado e tá rodando no whatsapp, merece um 2”, e a medida que essas garotas vão vivendo, o ranking vai se movimentando e suas colocações transitando.

Os “resultados” eram divulgados nas redes sociais e até mesmo em cartazes colados nos muros das escolas e da universidade, no caso da USP. E infelizmente, os tais “Top 10” não estão restritos aos locais que ocorreram as denúncias na mídia, já existem registros de casos no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, e sabe-se lá, por onde mais essas ultrajantes listas estão sendo formuladas. Uma verdadeira praga. Tal como um Oscar, também aparecem outras categorias “a mais preta”, “as lésbicas”, e ninguém está a salvo de, involuntariamente, participar do certame.


Dentre os mais variados temas que o assunto trás à tona, como educação, orientação sobre sexualidade para os jovens, quebra de tabus nas escolas, diálogo, atuação do Estado para propiciar atividades educativas aos jovens, promoção da equidade de gêneros dentro da escolas e comunidades, é fato que essa notícia apresenta um exemplar perfeito de vários erros que nós mulheres confrontamos no dia-dia.

E a origem do problema é o mesmo. Pausa para o “ai lá vem”, “ela vai dizer aquela palavra...”, é, já aviso, vou dizer SIM que a semente do problema vem da (des)construção de uma sociedade ma-chis-ta. Pronto, tá aí a palavrinha chave que você não queria ler, machismo.

Mesmo que alguns torçam o nariz para o machismo, não é novidade que ele protagonize e seja a causa de criar situações deploráveis na história de garotas que apenas estão tocando suas próprias vidas. Mas saber que meninas estão abandonando os estudos, reclusas em casa com depressão e até mesmo considerando o suicídio por conta das facetas do machismo, é novidade para você? Se não for novidade, com certeza não deixa de ser preocupante, melancólico, aterrador.


Os garotos tiveram sua cota de “Top 10”, em contrapartida, são classificações desejadas, disputadas entre eles, ora, o “pegador”, quer título melhor? A eles, o orgulho, a elas, a vergonha. Precisa mesmo reiterar que “slut shaming”, ou também conhecido como a perversa fiscalização do comportamento sexual das mulheres, é errado, é prejudicial?


E se vier com esse papinho de que “nessa idade tem é que estudar, se tá nessas listas é porque boa coisa não tá fazendo”, segura esse alerta: qualquer opinião dessa natureza é infundada,  medíocre, não acrescenta e nem faz voz no coro. A voz que se destaca aqui, clama por respeito. Respeito às descobertas, à intimidade, às experiências de cada uma. Respeito ao direito da mulher conduzir sua vida íntima, afetiva, amorosa como lhe convir. Não é utopia, é autonomia. Questão de equidade, existe, e não é um sistema falido.

Diante a polêmica das escolas de São Paulo, algumas meninas ainda foram questionadas pelos pais (inversão vítima-ofensor), sofreram forte preconceito da comunidade, foram deliberadamente julgadas e apontadas. “Joguem pedras nas Genis!”, pensaram eles. São garotas adolescentes, passando por uma turbulenta fase psicológica e física, procurando aceitação. Repudiamos o apedrejamento de mulheres em outros países, nos gabando da nossa nobre civilidade, enquanto ignoramos que as palavras ferem tão gravemente como uma rocha.


Quanto às meninas que pactuam e cooperam com essas listas, é uma lástima ainda mais sofrida, entretanto, compreensível, em que pese ser resultado da insistente perpetuação do discurso machista que se beneficia com a rivalidade e competitividade feminina. E aqui me permita incluir um conselho, porque não podemos deixar as minas andando sob o véu escuro da ignorância: moça, conspurcar a coleguinha através de ofensas quanto a sua sexualidade (“piranha”, “puta”, “vadia”) não torna a sua reputação intocável e pior ainda, tem efeitos nocivos em todas mulheres, inclusive em você mesma! A ofensa sexista afeta a todas nós, e só tem o condão de nos privar de desfrutar os prazeres que a liberdade proporciona!

A resposta para as humilhações públicas não é revidar os autores no mesmo sentido negativo, mas sim retirar o efeito negativo de nós! Aos desavisados que estavam em Marte nas últimas décadas, feminismo não é o contrário de machismo, não queremos que atitudes opressoras se igualem para ambos os lados, mas sim que a liberdade prospere para todos, como iguais.

Já falei e repito, mulheres, uni-vos! As listinhas e outros truques existem para nos enfraquecer, quebrar o elo. A mudança começa em nós. Os patrulheiros da sexualidade feminina se alimentam da nossa vergonha, da nossa vulnerabilidade em acreditar que ser livre é errado, e sentir culpa é o certo.


Se o sossego de uma mulher depender da aprovação alheia através de um criterioso processo seletivo de análise do seu histórico comportamental, nenhuma com o mínimo de personalidade passa no teste! Aliás, você precisa se sujeitar a testes? E aquela que não estiver no desconhecido éden-das-mulheres-perfeitas, está facilmente sujeita a amanhã encontrar seu nome nas infames listinhas das top 10 vadias! “Pô, mas aí você foi radical e cruel...” Não, crueldade é tabelar e expor a mulherada com o egoístico intuito de rechaçar e se divertir com a humilhação delas, ainda mais quando a listinha do ‘quem te perguntou’ não tem ninguém inscrito. 


Ignorar não é tarefa fácil mulherada, mas podemos criar redes de diálogos e informação que recicla esse lixo em lições úteis de conscientização para garotas e garotos.

O nosso trabalho é conjunto, é aprendizado e é luta, para que nenhuma mulher se sinta inferiorizada socialmente pelas estratégias machistas de desmoralização. O pomo da discórdia não premiará a mais bela, mas com certeza continuará criando rankings que reforçam conflitos entre guerreiras que batalham do mesmo lado. Não vamos sucumbir, e iremos ao socorro de todas que caem nessas armadilhas. Aqui, Afrodites, Atenas e Heras não disputam entre si, estão lado a lado, unidas por uma razão que verdadeiramente vale a pena lutar.


Por Morato/Agridossiê

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