Nós vivemos em um paradigma monogâmico que poucos se atrevem a
contestar. Talvez por isso as relações livres tornem-se tão valiosas e o debate
sobre elas deve ser estimulado. O senso comum pressupõe que relações
não-monogâmicas pregam a libertinagem, conceito que se afasta da ideia de
liberdade. Nossa cultura dita que o modelo único viável de relacionamento seja
a monogamia, e nisto está incluso como um casal deve se relacionar e sentir. A
relação de possessividade é intrínseco ao modelo monogâmico, o que bate de
frente com o conceito de amor livre: respeito com as vontades do outro,
solidariedade e, principalmente, liberdade.
Você
sabe o que é uma relação livre?
As relações livres não são baseadas em posse e nem em regras pré-determinadas.
As pessoas podem ter relacionamentos sexuais/afetivos com uma ou várias pessoas
desde que seja algo consensual e de livre escolha. Existem diversas “vertentes”
de como cada casal poderá se relacionar: se a pessoa vai ficar com uma ou
várias pessoas, se terá um parceiro principal, se ficarão juntos ou separados, etc.
Cada casal se adapta da forma como achar melhor sempre com muito diálogo e
acordos, podendo ser mutáveis e como cada um irá se sentir mais confortável.
É claro que é uma negociação complicada por si só porque exige sim
comprometimento ético e amadurecimento emocional. A ausência de contratos de
exclusividade não pressupõe a ausência de um compromisso com as demandas
emocionais do parceiro. Mas a diferença é que ninguém está ali por obrigação,
cumprindo ritos determinados de como deve ser uma relação. É completamente
possível se construir uma relação com extremo respeito, carinho, honestidade,
cuidado, companheirismo e amor em relações não-monogâmicas.
E é por isso que eu questiono a monogamia compulsiva. O casamento em si
é uma instituição falida, é a forma de escravidão de um sexo pelo outro. A
monogamia pode estimular ciúmes, posse, egoísmo, sofrimento, feminicídio. Traições
são tão recorrentes que se tornaram aceitáveis. Onde fica o respeito ao fim de
tudo isso?
Uma coisa é ter confiança mútua e acordos, declarados ou não, com o
parceiro, e esperar que nenhum engane o outro. E outra coisa é achar que se tem
direito de controle sobre as ações da pessoa. Se ela não quer ou não pode
manter acordos, ou se estes acordos mudam, ou se a outra parte não quer ou pode
ceder, não há como manter este tipo de relacionamento e ele está fadado ao
fracasso.
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Será que a sua maneira de amar é que não condizia com o que você realmente queria? |
Um
pouco de História
A monogamia não é uma regra natural aos relacionamentos. A forma de se
relacionar mudou em cada momento da história, ou seja, ela é transitória. Acredita-se
que ela tenha surgido junto com a propriedade privada. Com o excedente de produção
e apropriação dos homens, estabeleceu-se a divisão sexual do trabalho. Com
isto, o papel da mulher foi reduzido à reprodução e execução do trabalho
doméstico. Tudo indica que o casamento monogâmico serviu para instituir o controle
sobre a sexualidade feminina para não permitir que pairassem dúvidas sobre os
herdeiros. A mulher passa então a também ser propriedade do marido, tendo como
única função social a de procriar.
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A partir de hoje você só procria, fia. |
A monogamia em si é opressora para os dois sexos, mas para a mulher ela
tem um peso ainda maior. Enquanto o homem é estimulado a desenvolver sua
sexualidade desde cedo, a ter várias mulheres para provar o quão macho e viril
pode ser, a mulher precisa ser casta, além de ter as melhores atribuições, ser
a mais bonita e interessante, para finalmente ser a “escolhida”. E se ela não
for, vem a insegurança de que não foi boa o suficiente, de que não deu o melhor
de si. Ainda carregamos o peso de viver para agradar, de se manter virgem e
esperar o príncipe encantado, porque uma mulher só é completa se tiver um
homem. Para uma mulher, demonstrar que vive uma livre sexualidade, que pode
possuir vários parceiros ainda é sinônimo de ser julgada moralmente.
E o
ciúme?
Vivemos em uma cultura que romantiza o ciúme ao máximo, como se quem não
o sinta, é que não ame de verdade. Eu não consigo pensar em algo mais egoísta. Na
era do amor romântico (que Hollywood ajudou a disseminar), calcada na
idealização do outro, tem-se a obrigação de se estar com alguém porque senão
você não é uma pessoa inteira, completa. Estimula-se a dependência amorosa
salvadora de alguém.
Agora deixa eu falar uma coisa pra vocês: ciúmes não é bonitinho. Ciúme
é doentio. De nada adianta querer controlar ou monopolizar o pensamento/sentimento
alheio. Para se conseguir ter uma relação saudável com alguém, é preciso antes
de mais nada, amar a si mesmo, ser completo sozinho. As pessoas acham que sua
forma de amar é a única, a verdadeira e a correta, e qualquer coisa que saia disso
não é amor. Por isso não entendem um relacionamento que não seja baseado em
invasão de privacidade e monopólio das ações, dos pensamentos e da própria
pessoa. Mais fácil pensar que o outro não sabe amar do que perceber que se está
fazendo um papel ridículo. O erro é sempre do outro.
Exatamente por vivermos nesse modelo de posse, temos insegurança, medo
de perder. Mas sentimento e ação diferem. Mesmo que não consigamos controlar o
ciúmes, podemos nos esforçar para controlar nossas ações, e tentar fazer com
que o ciúme não faça mal para o relacionamento.
Ao contrário do que possa parecer, relações não-monogâmicas não devem
significar não se importar com o sentimento do outro. Não se importar com o
ciúme que porventura apareça. Todo tipo de relação deve envolver carinho,
cuidado e respeito. Devemos fazer com que a pessoa se sinta valiosa e não menos
que isso. Estimular o cuidado mútuo, cuidar para tratar qualquer ciúme e não
ignorar como se aquilo fosse um problema só da pessoa.
Longe de mim defender o ciúme, que é um sentimento terrível de se sentir e conviver. Mas em uma relação de cumplicidade, carinho e respeito, isso deve ser um ponto a ser superado pelos dois, pois é algo importante e pode fazer com que tudo caia por terra. O ciúme está relacionado à insegurança e à ideia de competitividade. Oferecer autonomia a quem se gosta é fundamental para que o outro não PRECISE de você. Mas que ele se sinta seguro para ESTAR com você de livre e espontânea vontade. Tem a ver com cooperação de ajudar o outro a cuidar-se e a ser autônomo, para que jamais a relação se torne utilitária e dependente. E eu falo isso como um desabafo de quem já sentiu insegurança em relações monogâmicas e não-monogâmicas.
Hoje, eu posso dizer que sou monogâmica. Quando admiro e passo a amar
verdadeiramente alguém, eu perco a atração e interesse sexual por outras
pessoas. Não é algo forçado ou que eu não me permita fazer porque vou trair.
Não. Simplesmente vai acontecendo naturalmente e, quando me vejo, estou
completamente voltada para somente uma pessoa. Mas isso não me impede de fazer
uma crítica à monogamia. E o que eu recomendo? Que as pessoas contestem também
e que sejam felizes da maneira como acharem melhor: com um ou vários amores. Se
somos diferentes um dos outros, por que devemos nos relacionar de maneira
igual? Se vemos tantas pessoas infelizes em seus relacionamentos, traindo e
permanecendo juntos pela convencionalidade, será mesmo que não existe algo
errado no que estão vendendo por aí?
Não julgue outras formas de amar. Você pode não concordar e não se
adaptar, mas já passou da hora que questionarmos essa monogamia compulsória que
está aí. Podemos dar sim novos significados ao amor. Podemos ter uma
afetividade, um amor e uma sexualidade que nos é própria.
E para finalizar, eu utilizo esta frase da Simone de Beavoir sobre sua
relação com o Sartre, uma das definições mais belas que já pude ler:
"O que me entristece é que o casal permaneça unido pelo hábito,
pela pressão social… Logo que dois seres se sentem ligados não tanto por se
amarem, o que era libertação e plenitude transforma-se em angústia e prisão.
Sartre e eu nunca vivemos juntos e sempre consideramos ser livres de correntes
que nos prendessem um ao outro. Se permanecemos unidos toda a vida, foi porque
nos amávamos profundamente e porque, livremente, sempre tivemos vontade de
estar um com o outro. E isso é a coisa mais bela que pode acontecer a um ser
humano. O amor dá força e coragem para enfrentar o mundo e a vida, a dois e não
a um só. É muito!”
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Por Hell/Agridossiê
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