Meninas abandonam estudos e tentam suicídio após entrar para lista das
"mais vadias"
(Notícia aqui)
'Ranking' expõe intimidade sexual
de alunas da USP e causa revolta (Notícia aqui)
Defina “vadia”. Diversos adjetivos pejorativos
ligados à sexualidade da mulher lhe sobrevieram à mente. Defina “vadio”. Homem
desocupado.
Quando deparei com essas notícias há alguns meses
atrás, logo pensei “quem é o vadio/vadia na verdade?”. São essas garotas covardemente listadas nas
mais tenebrosas “premiações do ridículo”, ou são os desocupados garotos que
promovem tais definições fúteis e discriminatórias? Onde realmente se encaixa o
conceito?
Creio não ser uma pergunta difícil.
Segundo a reportagem, os rankings já existem por
mais de um ano, e os “critérios” são dos mais variados. “Fulana usa aquela
calça colada e anda rebolando, merece a posição 7”, “Tati ficou com seis
moleques, putz, essa é um claro caso de 5º lugar”, “Bruna enviou foto nua para
o namorado e tá rodando no whatsapp, merece um 2”, e a medida que essas garotas
vão vivendo, o ranking vai se
movimentando e suas colocações transitando.
Os “resultados” eram divulgados nas redes sociais e
até mesmo em cartazes colados nos muros das escolas e da universidade, no caso
da USP. E infelizmente, os tais “Top 10” não estão restritos aos locais que
ocorreram as denúncias na mídia, já existem registros de casos no Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Paraná, e sabe-se lá, por onde mais essas ultrajantes
listas estão sendo formuladas. Uma verdadeira praga. Tal como um Oscar, também
aparecem outras categorias “a mais preta”, “as lésbicas”, e ninguém está a
salvo de, involuntariamente, participar do certame.
Dentre os mais variados temas que o assunto trás à
tona, como educação, orientação sobre sexualidade para os jovens, quebra de tabus nas escolas,
diálogo, atuação do Estado para propiciar atividades educativas aos jovens,
promoção da equidade de gêneros dentro da escolas e comunidades, é fato que
essa notícia apresenta um exemplar perfeito de vários erros que nós mulheres
confrontamos no dia-dia.
E a origem do problema é o mesmo. Pausa para o “ai
lá vem”, “ela vai dizer aquela palavra...”, é, já aviso, vou dizer SIM que a semente
do problema vem da (des)construção de uma sociedade ma-chis-ta. Pronto, tá aí a
palavrinha chave que você não queria ler, machismo.
Mesmo que alguns torçam o nariz para o machismo,
não é novidade que ele protagonize e seja a causa de criar situações
deploráveis na história de garotas que apenas estão tocando suas próprias
vidas. Mas saber que meninas estão abandonando os estudos, reclusas em casa com
depressão e até mesmo considerando o suicídio por conta das facetas do machismo,
é novidade para você? Se não for novidade, com certeza não deixa de ser
preocupante, melancólico, aterrador.
Os garotos tiveram sua cota de “Top 10”, em
contrapartida, são classificações desejadas, disputadas entre eles, ora, o
“pegador”, quer título melhor? A eles, o orgulho, a elas, a vergonha. Precisa
mesmo reiterar que “slut shaming”, ou
também conhecido como a perversa fiscalização do comportamento sexual das mulheres,
é errado, é prejudicial?
E se vier com esse papinho de que “nessa idade tem
é que estudar, se tá nessas listas é porque boa coisa não tá fazendo”, segura
esse alerta: qualquer opinião dessa natureza é infundada, medíocre, não acrescenta e nem faz voz no
coro. A voz que se destaca aqui, clama por respeito. Respeito às descobertas, à
intimidade, às experiências de cada uma. Respeito ao direito da mulher conduzir
sua vida íntima, afetiva, amorosa como lhe convir. Não é utopia, é autonomia. Questão
de equidade, existe, e não é um sistema falido.
Diante a polêmica das escolas de São Paulo, algumas
meninas ainda foram questionadas pelos pais (inversão vítima-ofensor), sofreram
forte preconceito da comunidade, foram deliberadamente julgadas e apontadas.
“Joguem pedras nas Genis!”, pensaram eles. São garotas adolescentes, passando
por uma turbulenta fase psicológica e física, procurando aceitação. Repudiamos
o apedrejamento de mulheres em outros países, nos gabando da nossa nobre
civilidade, enquanto ignoramos que as palavras ferem tão gravemente como uma
rocha.

Quanto às meninas que pactuam e cooperam com essas
listas, é uma lástima ainda mais sofrida, entretanto, compreensível, em que pese ser resultado
da insistente perpetuação do discurso machista que se beneficia com a
rivalidade e competitividade feminina. E aqui me permita incluir um conselho,
porque não podemos deixar as minas andando sob o véu escuro da ignorância: moça,
conspurcar a coleguinha através de ofensas quanto a sua sexualidade (“piranha”,
“puta”, “vadia”) não torna a sua reputação intocável e pior ainda, tem efeitos
nocivos em todas mulheres, inclusive em você mesma! A ofensa sexista afeta a
todas nós, e só tem o condão de nos privar de desfrutar os prazeres que a
liberdade proporciona!
A resposta para as humilhações públicas não é revidar
os autores no mesmo sentido negativo, mas sim retirar o efeito negativo de nós!
Aos desavisados que estavam em Marte nas últimas décadas, feminismo não é o
contrário de machismo, não queremos que atitudes opressoras se igualem para
ambos os lados, mas sim que a liberdade prospere para todos, como iguais.
Já falei e repito, mulheres, uni-vos! As listinhas
e outros truques existem para nos enfraquecer, quebrar o elo. A mudança começa
em nós. Os patrulheiros da sexualidade feminina se alimentam da nossa vergonha,
da nossa vulnerabilidade em acreditar que ser livre é errado, e sentir culpa é
o certo.
Se o sossego de uma mulher depender da aprovação
alheia através de um criterioso processo seletivo de análise do seu histórico comportamental,
nenhuma com o mínimo de personalidade passa no teste! Aliás, você precisa se
sujeitar a testes? E aquela que não estiver no desconhecido éden-das-mulheres-perfeitas,
está facilmente sujeita a amanhã encontrar seu nome nas infames listinhas das
top 10 vadias! “Pô, mas aí você foi radical e cruel...” Não, crueldade é
tabelar e expor a mulherada com o egoístico intuito de rechaçar e se divertir
com a humilhação delas, ainda mais quando a listinha do ‘quem te perguntou’ não
tem ninguém inscrito.
Ignorar não é tarefa fácil mulherada, mas podemos criar
redes de diálogos e informação que recicla esse lixo em lições úteis de conscientização
para garotas e garotos.
O nosso trabalho é conjunto, é aprendizado e é
luta, para que nenhuma mulher se sinta inferiorizada socialmente pelas
estratégias machistas de desmoralização. O pomo da discórdia não premiará a
mais bela, mas com certeza continuará criando rankings que reforçam conflitos
entre guerreiras que batalham do mesmo lado. Não vamos sucumbir, e iremos ao
socorro de todas que caem nessas armadilhas. Aqui, Afrodites, Atenas e Heras
não disputam entre si, estão lado a lado, unidas por uma razão que
verdadeiramente vale a pena lutar.
Por Morato/Agridossiê
Gostou do nosso blog?
Então fique por dentro das nossas atualizações!
Na barra lateral direita, tem a opção 'Seguidores', sinta-se muito convidado para nos seguir! É rapidinho e fácil. :)
Nos encontre no Facebook, na nossa página Agridossiê.
Também estamos no Instagram: @blogagridossie